O jornalismo e o leviatã

Eu fui um dos que critiquei o Presidente Morales quando este nacionalizou o gás boliviano, tungando a Petrobrás, em cerca de 01 bilhão de dólares.

 

A imprensa nacional teceu durar críticas a Lula por se ter deixado pegar desprevenido no episódio.

 

Só consegui ler um único artigo que fez uma análise pró Morales: foi escrito pelo jornalista Nunzio Briguglio, em 22.05.2006, e publicado no site ABC Politiko.

 

Embora eu discorde da maior parte do texto, transcrevo-o abaixo para que seja estabelecido o contraditório:

 

O jornalismo e o leviatã

nunzio[1] Autor: Nunzio Briguglio

Nestes tempos de individualismo, onde prepondera sobretudo a visão do “se dar bem, não importa a que preço”, um dos setores mais atingidos por uma onda ética e, sobretudo moral, é o jornalismo.

 

Não que em algum momento as redações de todo o mundo fossem verdadeiras ilhas de despreendimento, ou que o ego dos jornalistas fossem suplantados por um conceito de tal forma altruísta, que, afinal, pudessem ser levados a Roma, para quem sabe tornarem-se santos, ou beatos.

 

Nada disso. Mas, o motor que fazia vibrar o ânimo de uma redação há 30 anos era outro. O perfil daqueles que se aventuravam por uma profissão, até então maldita, também era outro. Os objetivos eram outros.

 

Juca Kfouri, o notável jornalista esportivo, outro dia sentenciou que o verdadeiro jornalista tem que ter um compromisso claro com a mudança da sociedade. Ou seja, ele se sacrifica, sacrifica a sua vida pessoal, sacrifica a sua família, corre risco de vida, para informar ou interpretar fatos, que de alguma forma vão provocar uma reflexão nos leitores, ou expectadores, ou internautas, de forma que esta massa desinforme e heterogênea chamada opinião pública produza as transformações, que na essência, buscam um mundo mais justo, mais igual e mais feliz.

 

O surgimento de um novo Leviatã, chamado mercado, princípio inteligente do que o cientista italiano Toni Negri chama de império, criou como reação à postura histórica do jornalista, o chamado jornalismo de resultado. Ou seja, mais do que o respeito pela prática da profissão, importa ao profissional o que ele consegue com a divulgação de notícias ou fatos. E isso se reflete na conquista de bens materiais como carros, casas e apartamentos mirabolantes, frequência em casas noturnas badaladas e roupas de grife.

 

Nem de longe há qualquer preocupação com o resultado de sua atuação.

 

Esta reflexão vem à tona por conta da postura de alguns jornalistas brasileiros na cobertura dos incidentes diplomáticos gerados a partir da estatização dos recursos naturais da Bolívia. O presidente Evo Morales foi praticamente massacrado pelos jornalistas e pelos jornais, revistas e televisões brasileiras por sua postura.

 

Recém convertidos, ou devorados, por este moderno Leviatã, prepondera na cabeça de grande parte do jornalismo pátrio a visão de que, fora do mercado, não há salvação.

 

No ápice da crise criou-se um bordão, segundo o qual, qualquer solução para o impasse devia ser econômica e não ideológica. E esta máxima obrigou o governo do presidente Lula a um desgaste desnecessário e precipitado com o governo do país andino.

 

Ora, quem conhece a Bolívia sabe que não há solução de mercado possível para um país historicamente condenado a espoliação, primeiro colonial, e depois social. São anos de marginalização da população indígena, mais de 80% de todo o país, condenada a sub-economia da cultura da coca, ou a trabalho semi-escravo nas minas.

 

Não será um choque de capitalismo que vai reverter este quadro. Não resta alternativa para o presidente Morales, que tem intenções claras de promover a inclusão social da população boliviana, se não a nacionalização dos recursos naturais do país, a reforma agrária, a reforma educacional e a reforma sanitária. Isso foi claramente entendido pelo presidente Hugo Chavez, da Venezuela, por Fidel Castro, de Cuba, por Lula e por Kirchner.

 

É óbvio que desagradou aqueles que enxergam no Consenso de Washington o remédio para todos os males do mundo, os capitalistas que imaginam aumentar seu apetite de ganhos com a exploração dos recursos naturais e da mão de obra boliviana barata e desqualificada.

 

A Petrobrás tem todo o direito de recorrer e de defender sua posição. É uma empresa capitalista, uma das maiores do mundo, orgulho nacional brasileiro. Mas, certamente não pretende se confundir com as seis irmãs americanas, cuja postura ao longo do século XX foi explorar o seu negócio, fazendo surgir em suas instalações uma ilha de prosperidade, enquanto o seu entorno afundava na miséria.

 

O presidente Morales tem razão quando diz que o Brasil sempre deu as costas para os países da Cordilheira dos Andes. Não é uma novidade. Sempre foi assim mesmo.

 

A história registra que a negociata que envolveu a compra do Acre, foi um péssimo negócio para um país que dependia da Bacia Amazônica para ter acesso ao Atlântico, cuja saída para o Pacífico foi arrebatada depois de uma guerra sangrenta com o Chile, e que incrustada em um altiplano de mais de três mil metros de altura, ainda se viu envolvida em uma guerra fratricida pelo controle do gás e do petróleo com o Paraguai, quando na verdade se via a disputa entre a Shell e a Exxon.

 

Eike Batista não é santo. Não foi para a Bolívia com o objetivo de ajudar o país a transformar sua realidade social. Queria era aproveitar-se de uma conjuntura favorável que lhe propiciasse um aumento de seus negócios. Mais dinheiro e mais poder. Obedeceu as regras impostas pelo mercado.

 

Ou seja, a cada dólar aplicado, um dólar de lucro, trabalhadores, nativos, etc, que se danem.

 

A Petrobrás está em um dilema. Não pode ter um comportamento semelhante. Afinal parte dela ainda é estatal e obedece aos ditames de um governo popular, democrático, que pelo menos no papel, se elegeu para confrontar este modelo.

 

E aí entram os coleguinhas e os colegões a dizer abobrinhas e a defender uma solução de mercado. Como se fossem, todos, capitalistas nos moldes da Inglaterra vitoriana, a defender a civilização britânica em troca da exploração dos recursos naturais de um país colonizado.

 

Para piorar demonizam a figura do presidente Chavez e ridicularizam a revolução bolivariana, como se isso fosse uma ameaça. Ou como se o Brasil não tivesse no seu interior venezuelas e bolívias, os brasileiros se reunissem em clubes no final da tarde, para tomar chá e conferir a cotação da bolsa.

 

Coleguinhas e colegões ficam deslumbrados com Davos, com Wall Street, com a Casa Branca, em Washington, se esquecem que a nossa realidade está muito mais para La Paz, Caracas, Calcutá e etc...

 

O Brasil tem a ver com a Bolívia, com a Venezuela, com Cuba, com Angola, Moçambique, Índia, África do Sul. Estes para desespero da classe média brasileira são os parceiros brasileiros. Não Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, França e Alemanha.

 

Estes mesmos países desenvolvidos que insistem em ditar as regras do mundo, foram responsáveis pela mais odiosa exploração capitalista e colonialista do planeta no século XIX, provocaram mais de uma dezena de guerras, duas delas mundiais, com mais de 30 milhões de mortes.

 

O governo dos Estados Unidos, o mesmo país que impõe a Cuba um bloqueio econômico sem precedentes, é o mesmo país que conviveu e convive com o racismo, com o macartismo, inventa uma calunia para invadir o Iraque e quer impor este novo Leviatã a todo mundo. Até agora não diminuiu a miséria, nem a fome do mundo.

 

Juca tem razão. Jornalistas tem o desprendimento de defender a verdade, de relatar e interpretar os fatos, de acordo com ela. Não se confundem com publicitários, lobistas ou empresários. Não protagonizam reality-shows, nem se consideram mais importantes que a notícia. Pena que hoje sejam tão poucos.

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