O tamanho do Pará

Autor: Alex Fiúza de Mello
Professor e ex-reitor da UFPA; ex-membro do Conselho Nacional de Educação e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República e atual Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Pará.

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Não é de hoje que se debate separatismo neste Estado. Há pelo menos 150 anos o tema tem sido alimentado por elites políticas locais, sob o argumento do abandono e do descaso do interior por parte do governo sediado em Belém. Na atual propaganda política pelo "Sim", às vésperas do plebiscito que decidirá pela divisão ou pela manutenção do atual território, a principal tese dos separatistas radica na ideia de que o Pará dividido seria mais lucrativo para todos, pois ampliaria proporcionalmente o montante dos recursos federais distribuídos pelo FPE, além de garantir melhor governança das regiões pela maior proximidade entre governos e população. No centro do debate, a hipótese de que a causa de todo o mal residiria no tamanho do Pará.

Desde o século XVIII, com a publicação das obras clássicas A Riqueza das Nações, de Adam Smith, e A Origem das Desigualdades entre os Homens, de JJ. Rousseau, sabe-se que os fundamentos da riqueza e da pobreza não repousam, tanto, na natureza ou nas externalidades materiais do entorno e, sim, na capacidade produtiva (educação, trabalho, conhecimento) e de ação política de um povo. Basta observar a constelação do mundo contemporâneo para se certificar de que gigantes da economia são tanto países de grandes territórios (EEUU, China, Canadá) quanto de pequenos limites (Japão, Suíça, Coreia); da mesma forma, economias precárias se estampam seja em pequenas como em grandes territorialidades (El Salvador e Haiti, no primeiro caso; Sudão e Congo, no segundo). A mesma lógica vale para a federação brasileira: desenvolvidos são Estados extensos, como Minas Gerais e São Paulo, e diminutos, como Rio de Janeiro e Santa Catarina; subdesenvolvidos são grandes unidades federativas, como Maranhão e Amazonas, como pequenas, a exemplo de Alagoas e Sergipe.

Portanto, não é o tamanho do território a causa do atraso do Pará, mas a baixa qualidade de sua educação, a ausência de quadros técnicos qualificados, o quase inexistente investimento em ciência e tecnologia e as condições ainda precárias de infraestrutura e logística. Dividir esta carência, sem melhorar tais indicadores, é multiplicar a pobreza; pois, nessas condições, quanto menor o Estado, maior a miséria.

A maior falácia da propaganda pró "Sim" é apostar numa maior distribuição dos recursos do Governo Federal, quando os políticos e as outras elites deveriam estar apostando na melhoria das condições da produção industrial do Estado e na formação de seu pessoal, estes, sim, fatores não-dependentes de sustentabilidade econômica. Estados que apostam, pura e simplesmente, no aumento de arrecadação do ICMS e na distribuição do FPE estão condenados, a priori, a sobreviver das migalhas produzidas pelos outros e sujeitos a retrocessos, em contextos de crise econômica.

A força do Pará é o seu território. Do tamanho atual, pelas terras continuas disponíveis, biodiversidade, fertilidade do solo, biomassa acumulada, força das águas, densidade populacional, o Estado tende a se tornar, nos próximos anos, um dos principais polos dos investimentos nacionais e internacionais, em solo verde-amarelo, com previsão de crescimento do PIB acima da média brasileira. Dividido, perde a sua grandiosidade geoeconômica e simbólica, a sua riqueza sociocultural, restando pequenos e frágeis territórios, sem maior representatividade ou peso político diante da nação e no seio do Congresso.

Em outras palavras: o problema do Pará não é o tamanho de seu território, mas de sua política. A tese de que porções menores de terras seriam mais "administráveis" que uma grande extensão territorial - ainda que individualmente mais pobres em escala produtiva - é o mesmo que confessar, de antemão, a incapacidade política de transformar essa imensa vantagem comparativa, que a natureza legou, em vantagem competitiva, imputada pelo conhecimento aplicado e pela ação política coordenada.

Nenhum estadista, com visão de futuro, abriria mão de um grande e rico território, com tamanho potencial produtivo, pois saberia que abundância de riquezas naturais é um dos fatores privilegiados em qualquer equação do desenvolvimento. Não será um número maior de governadores, deputados e senadores que garantirá a libertação de nossa histórica condição de colônia da nação. Trata-se de um mito! Fosse essa a solução, o Nordeste seria a região mais desenvolvida do país. Num contexto de populismo, coronelismo e patrimonialismo, persistente na cultura política nacional e regional - na essência, ainda não superamos a "República Velha" – dividir o poder pode significar não um ato de modernidade e de avanço republicano, mas uma atitude de conservadorismo e de atraso.

O que carecemos não é de mais Estados, mas de políticos com a estatura do Pará. Políticos que pensem o desafio paraense e regional à luz do conjunto dos problemas e dos desafios globais que se mani festam nas singularidades de cada setor e região, com suas carências e anseios sociais legítimos. Que reinventem o Estado não a partir de Belém - numa leitura centrífuga equivocada e alienada da realidade -, mas numa perspectiva do todo para as partes, com obras e políticas públicas que estruturem o conjunto das regiões e municípios numa única unidade política, articulada, interdependente e progressista. Enfim, de uma política com "P" maiúsculo do tamanho do Pará!

Sim, sem o tamanho do Pará - e, sobretudo, sem o tamanho correspondente da política - não haverá futuro nem saída para a servidão e o atraso seculares a que estamos atrelados. Não haverá salvação nem para paraenses, nem para "tapajônicos" ou "carajaenses". Seguiremos ainda mais frágeis, atônitos, distantes entre nós, patinando na vala da história, alimentados pela mediocridade mental e pela ilusão das falsas autonomias.

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